quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Este não é o país de Sócrates.

«Estão desempregados e são pais de dois filhos de 3 e 10 anos. António e a mulher recusam dinheiro e pedem apenas comida e roupa para os filhos, e um emprego que lhes permita sobreviver. A resposta a um dos pedidos de ajuda foi um cabaz "insólito"
A dor e a tristeza de não ter dinheiro para comprar um simples pacote de leite para os filhos quase foi esquecida no dia em que António recebeu um saco de plástico, com o número 93.
Desempregado há quatro anos e sem subsídio há quase um, António Oliveira, 49 anos, viu-se obrigado a vender carros, mobílias e jóias para conseguir continuar a suportar as despesas com a renda da casa, água, luz, gás e alimentação. Enviou dezenas de cartas com currículos pedindo emprego, tirou a carta de motoristas de camiões TIR e até foi trabalhar para o campo, na apanha da pêra e nas vindimas. A mulher, 28 anos, está também desempregada depois de ter sido despedida de uma empresa de Torres Vedras.
Com os recursos a chegarem ao fim e sem emprego à vista, António pediu ajuda urgente ao Banco Alimentar contra a Fome, a 7 de Agosto, o qual foi aceite dois meses depois. A 12 de Outubro, António dirigiu-se à Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras para receber o cabaz alimentar mensal para a sua família.
"Quando me entregaram o saco nem queria acreditar. Tinha o meu filho ao colo, olhei para o interior do saco e senti uma revolta tão grande que tudo me passou pela cabeça", conta, recordando ter olhado para as outras famílias que ali estavam: "Todos estavam incrédulos e saíram  cabisbaixos".
"Ninguém se consegue alimentar durante um mês com este cabaz" explica António, lembrando que olhando aos produtos "nota-se que os meus filhos nem sequer contaram para nada na "ajuda" prestada, pois não foi contemplado nenhum produto básico essencial para a alimentação deles como leite, iogurtes, papas, cereais, ou outros".
"Só quero trabalhar"A revelação do seu "drama" motivou uma onda de solidariedade. Vizinhos, conhecidos e anónimos "têm ajudado" a família e António lembra que apenas pretende "roupa e calçado usado para os filhos que estão a crescer -, porque não queremos que ninguém compre nada de propósito -,  e comida".
Aos 49 anos e bem de saúde, António apenas quer ter o direito a um trabalho para sustentar a sua família. "Tenho competências, sou uma pessoa activa com capacidade para trabalhar. Apenas quero resolver os problemas e sustentar a minha família. É um direito meu" sustenta.
A trabalhar desde os 13 anos, com formação académica ao nível universitário, António desempenhou ao longo de mais de 20 anos funções em cargos superiores de gestão em várias empresas da indústria alimentar em Portugal, a última das quais em Torres Vedras. Antes do desemprego bater à porta, a família vivia com um rendimento mensal de 3700 euros, tinha três automóveis de gama alta na garagem.
"A minha sorte é que ao longo da vida fui juntando dinheiro. Comprava a pronto e não tenho créditos" revela, admitindo que o facto de ter "uma família unida" lhe permite suportar estas horas difíceis. "Não tenho medo de trabalhar, faço qualquer coisa, nem que seja tarefeiro" afiança.
Hoje, a família vive com o subsídio de inserção de 419 euros, apenas tem um carro "com 10 anos" e a casa que alugou (650 euros), e que a custo vai conseguindo pagar. "Pensei mudar para uma casa mais barata mas isso custa dinheiro que não tenho" diz, admitindo que a sua aparência tem sido muito criticada. "Não tenho de andar mal vestido, com a barba por fazer a pedir ajuda. Tenho a minha dignidade, mas as pessoas parece que não compreendem " conclui.
"Só damos o que temos"
No saco número 93 entregue à família de António (dois adultos e duas crianças) encontrava-se uma garrafa de guaraná antárctica de 1,5 litro; uma embalagem de creme de avelãs (440 gramas), uma torta de frutos silvestres (300gr), um pacote de bolachas com recheio de chocolate (180gr), duas latas de salsichas (350gr) e uma outra de (250 gr), duas latas de atum (125 gr) e um pacote de esparguete (500gr).
O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras confirma o conteúdo do saco e explica que nesse dia não foi fornecido leite nem iogurtes porque "não havia". "Apenas entregamos o que nos dão. Se dão muito entregamos muito, se dão pouco entregamos pouco" refere Vasco Fernandes, garantindo que nesse dia "não tínhamos mais nada para dar".
Segundo o provedor, a Misericórdia dá o que o Banco Alimentar disponibiliza, revelando que neste momento 115 famílias de Torres Vedras estão a ser apoiadas. "É muita gente a pedir e não chega para todos", assegura.»
No JN http://jn.sapo.pt/paginainicial/pais/concelho.aspx?Distrito=Lisboa&Concelho=Torres%20Vedras&Option=Interior&content_id=1701413

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