Coimbra

Francisco Queirós
Coimbra dos meus amores


“O senhor doutor é caixeiro-viajante?”, perguntaram-lhe quando pela primeira vez visitou Coimbra, já lá vão vinte anos. Foi quando o conheci. Filho de portugueses, o intelectual brasileiro visitava a minha cidade e vinha recomendado por amigos. Em Coimbra B, para sempre Estação Velha, tomou a ligação para Coimbra A, onde eu o esperava com outro amigo. Reconheci-o de imediato, de fotografias e imagens da televisão. Comentou de imediato: “Os vossos caixeiros-viajantes, que beleza!, são doutores?” Expliquei, o que havia a explicar. Ficámos amigos, encontrámo-nos meia-dúzia de vezes por aí, escrevemo-nos, ultimamente recorrendo às novas tecnologias. Há dias enviou-me um “mail”, “Vou a Coimbra, acolhes-me?, ou tenho de gramar um hotel para caixeiro-viajante?” Já estou à tua espera”, respondi-lhe. Voltou, e de comboio, de novo. Esperei-o na Estação Velha. “O que fizeram da outra estação, rapaz?”, disparou antes de qualquer outro cumprimento. “A tua cidade anda para trás, agora que és vereador?” (há sempre um jogo de magia no cuidado com que evita a terceira pessoa). “Não há comboio para o centro na cidade da cultura e da saúde?”

Fomos para casa. Nos dias seguintes, o meu amigo percorreu Coimbra, palmilhou a pé o centro histórico, andou de táxi, vasculhou todos os recantos, desculpando o edil a quem os afazeres impediram de o acompanhar na maioria das vagabundagens. Mas o relatório fez-se e claro. “ Coimbra é das mais desenvolvidas cidades do mundo”, disparou, à queima-roupa. “O que queres dizer?, amigo, não estás a gozar com a tropa, tu que tanto gostas desta cidade, como já o disseste antes”. “Aqui todos são doutores. O taxista desta manhã era um jovem mestre em artes, no restaurante onde almocei a mocinha revelou-se licenciada em Direito e pós-graduada em qualquer coisa europeia. Mais tarde fui ao centro comercial e as meninas da caixa e os rapazes da reposição são todos doutores, até um doutorando apanhei a arrumar prateleiras do hiper-mercado e um professor do politécnico serviu-me uma “bica” depois de almoço. Até o arrumador de carros no Terreiro da Erva me disse ser engenheiro. Que cidade fabulosa! Que país moderno !!”

Que país moderno e que cidade fabulosa, cheia de encantos mil, a que desperdiça o que de melhor cultiva! “Uma catástrofe esse Sócrates!” Ainda lhe expliquei que dos mais de seis mil desempregados oficiais no concelho de Coimbra, quase mil e quatrocentos são licenciados !! E mostrei-lhe a miséria escondida que há muito ultrapassa os diplomas académicos. “Vem daí, amigo, vamos beber um copo e ouvir canções de Coimbra”. “Do Choupal até à Lapa?”, perguntou-me. “Do Choupal até ao IC2 é que não”, esclareci.

Não é fácil receber amigos nos tempos que correm na Coimbra dos amores e dos monumentos, a Coimbra dos doutores, dos “fruticas”, do povo da cidade, dos pobres, dos trabalhadores. Fica Coimbra. “Oh Coimbra do Mondego/e dos amores que eu lá tive/quem te não viu anda cego/quem te não ama não vive./Do Choupal até à Lapa/foi Coimbra meus amores/a sombra da minha capa/deu no chão abriu em flores.” “Flores por Coimbra, já e sempre!” – gritou à despedida.

(*) Professor e Coordenador da Comissão Concelhia de Coimbra do PCP

in Diário das Beiras, 7 de Janeiro de 2010.