sábado, 12 de março de 2011

Mário Cunha: Por que é que VOU participar no protesto da "geração à rasca"? - Sociedade - PUBLICO.PT

Mário Cunha: Por que é que VOU participar no protesto da "geração à rasca"? - Sociedade - PUBLICO.PT


«Eu vou participar no protesto da “geração à rasca” porque, ao contrário do que já se tem dito, não é um protesto umbiguista duma geração de jovens subempregados tentando obter para si os mesmos privilégios que os pais tiveram e que, segundo nos dizem, já não são possíveis nos dias de hoje. O protesto da “geração à rasca” é muito mais que isso.

O protesto da “geração à rasca” não tem idade e não se limita a um estrato geracional porque é transversal a todas as idades. Porque não quer resolver a vidinha de cada um, mas lutar pela vida de todos. Porque o que quer é muito mais do que contratos de trabalho que dêem direitos e protecção social a quem trabalha, a quem produz a pouca riqueza que ainda se vai conseguindo produzir.

Também o quer, naturalmente, porque é justo, porque é merecido. Porque permitir que o Estado e as empresas se furtem à responsabilidade de proteger os seus trabalhadores é imoral, é desumano, é criminoso. Porque permitir que milhares de trabalhadores possam de um momento para o outro cair na doença ou no desemprego sem qualquer protecção social é um retrocesso civilizacional de que todos nos deveríamos envergonhar.

Mas engana-se quem pensa que estamos a lutar apenas para atacar um qualquer problema conjuntural das relações laborais. O que une jovens e menos jovens nesta luta é o desejo que todos temos de voltar a ter a capacidade de sonhar, de voltar a acreditar no futuro, de voltar a ter esperança. O que todos queremos é um país melhor, mais desenvolvido, mais equilibrado, mais justo. Um país que acorde, que saia do estado de falência a que tristemente chegou e que renasça das cinzas para que nele possamos ser felizes. Porque é disso que se trata, é isso que queremos, queremos ser felizes.

E não somos, digamo-lo claramente, porque falhámos. Porque falhámos enquanto país, porque a democracia que conquistámos há 37 anos foi desbaratada pela corrupção dos dirigentes políticos e seus comparsas que, em conjunto, têm vindo a delapidar o Estado, mas também pelo povo, cujo crescente abstencionismo e alheamento da vida política é também responsável pelo estado de coisas a que se chegou.

Falhámos todos, assumamo-lo. Portugal está hoje à mercê dos especuladores e dependente de ajudas externas porque não soubemos acautelar o devir. Porque nos endividámos para termos no presente opulências de que não precisávamos, em vez de investirmos na educação, na inovação, na indústria, na agricultura, no futuro. É verdade que não somos os únicos, é verdade que esta crise foi desencadeada por factores externos, mas também é verdade que estávamos desprotegidos porque nunca tivemos o cuidado de estruturar devidamente o país.

E pode agora vir o Presidente da República, com todo o oportunismo que um profissional da política normalmente tem, cavalgar a onda de descontentamento como se ele estivesse isento de responsabilidades, como se apenas os últimos dez anos de governação contassem para o estado a que opPaís chegou, como se o tempo em que ele conduziu os destinos de Portugal não tivesse sido um tempo de oportunidades perdidas, desde as fraudes com os fundos europeus à política de betão que deixou o país asfaltado de norte a sul, mas sem agricultura nem indústria.

Eu não compro. Não compro Cavaco, como não compro Sócrates, não compro Santana, não compro Barroso, não compro Portas, não compro Guterres, não compro Soares. Não compro este PS nem este PSD. Não compro a partidocracia que nasceu do 25 de Abril. E não se trata de renegar a democracia. A democracia, compro-a, pago-a. Mas democracia mesmo. Daquela em que o poder reside no povo, não esta em que um grupo restrito de indivíduos alinhados à volta de dois partidos, às vezes três, se servem do Estado para os seus próprios interesses, ao invés de o servirem, ou seja, de cumprirem com o seu trabalho. Porque, e eles esquecem-se disto, eles são pagos para servir o país. E com protecção social, diga-se. E mordomias. E boas pensões. Ao contrário de nós, da esmagadora maioria de nós.Mas, se chegámos a este ponto, insisto, não foi só por causa dos políticos. Foi também porque não houve ao longo destas quase quatro décadas uma sociedade civil forte que se batesse pelo que era justo, que não deixasse nas mãos dos políticos as decisões sobre o país. Talvez fosse por falta de formação, talvez fosse por hábitos antigos de ter quem tomasse conta das coisas por nós, talvez fosse porque as coisas até nem eram más de todo, pelo menos para a maioria. Fosse porque fosse, a verdade é que de uma geração para a outra passou-se do sonho do 25 de Abril de 1974 para a crua realidade de 2011, que é este horizonte vazio que temos pela frente.

E é por termos consciência desse vazio, é por percebermos como o sonho se desmoronou que vamos para a rua. Não vamos para a rua para pôr em causa a democracia, mas para pôr em causa esta forma doente de democracia que temos. Vamos para dizermos aos políticos que agora já não somos aquela massa dormente a que se habituaram e da qual fizeram gato-sapato durante décadas. Vamos para lhes dizer que agora têm de contar connosco. Vamos para exigir que se leve este país e este Povo a sério.

O protesto da “geração à rasca” não é só o protesto dos trabalhadores precários, é muito mais que isso. Porque precários somos todos. Precário é o país. Chamar a este protesto o “protesto dos Deolindos” como sobranceiramente se fez, ou tentar diminuí-lo como sendo um protesto dos jovens dos recibos verdes que se arvoraram em torno de duas cançonetas é não só muito redutor, como revela a confrangedora miopia de quem não quer aceitar que o País que existe hoje não é exactamente o mesmo que existia ontem.

Diminuir este protesto é não perceber que, entretanto, se formou uma nova geração. E que esta geração é a mais bem formada de sempre em Portugal. Sim, porque apesar dos senãos na Educação – e são tantos – justiça se faça ao 25 de Abril, que democratizou como nunca o ensino e permitiu que hoje haja tantos milhares de jovens que não só não se revêem nos políticos e comentadores de serviço, como são capazes de constituir a vanguarda de que o país precisa para se transformar e construir um futuro melhor para todos. Porque estão a acordar, porque, finalmente, estão a despertar da modorra.

E é por querer participar desse despertar colectivo, é por querer ajudar o meu país que vou estar na manifestação de 12 de Março. Sim, eu sou um trabalhador precário. Mas não é só por mim que me vou manifestar. É por Portugal, é por todos nós e é pelo futuro dos nossos filhos.»

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