A reunião do nada

Toda a gente sabe que quando se convoca uma reunião está irá ter um objecto a tratar, bem delineado. Um assunto. Algo concreto. A não ser que seja uma reunião para fazer um linchamento sumário. Uma espécie de apedrejamento árabe, pelo menos estava presente Sakineh Ashtiani-Mohammadi. Ridículo. No século XXI. Não se sabe se havia pedras nos bolsos. Pela atitude de alguns, acredita-se que sim. Prontos a atira-las para um telhado de vidro, não olhando para o seu próprio telhado, feito dum cristal mal fundido. Altamente quebrável. Aqui já não se sabe se é cómico se é trágico. Denota-se uma linha ténue entre ser atrasado mental ou não.
Houve a antecipação da peça de teatro de hoje. O actor representou a peça "Os paladinos da moral e do desportivismo". Houve ainda a apresentação da tese académica "A subjectividade da definição do cidadão do Seixo - uma perspectiva bairrista e contraditória". A malta aplaudiu. Não interessa o que se apresenta. Interessa quem apresenta. Deram oportunidade ao réu para falar. É possível que o réu tenha sido uma bruxa caçada no tempo da Santa Inquisição. Quase que a queimavam. Mas a bruxa era forte. É uma bruxa trabalhadora, independente e que não deve nada a ninguém. É uma bruja com cojones!
No país em que já morreram 23 mulheres vítimas de violência doméstica desde o início do ano, onde desaparecem pessoas nas praias todos os anos como se nunca tivessem visto o mar, onde alguém num gabinete fez uma lei em que se multam com 500 contos, pessoas que jogam à bola na praia numa zona concessionada, acaba por ser um mal menor haver pessoas que se juntam para discutir o nada. Pior do que discutir o sexo dos anjos ou se o ovo ou a galinha foi o primeiro a surgir. Há pessoas que se prestam a isso. E colocam-lhe um ar pomposo, porque acham que a solenidade do momento o justifica.
E no final descobre-se a pólvora: para se jogar no torneio do Seixo, não existe uma definição, uma regra, uma lei, nada que não seja subjectivo que conceitualize o ser forasteiro ou ser do Seixo.
Há indícios de que tenha lá estado o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, pelo menos os nomes das pessoas, as moradas, as suas relações afectivas foram escrutinadas. Mas alguém teve o bom senso de parar com o jogo porque nas outras equipas também pode actuar o SEF.
É possível que ser do Seixo é alguém que vá à missa, ou alguém que seja escuteiro. Ou alguém que seja do Rancho, ou que vote PSD. Ou um opinion maker. Como acta terá ficado: concluiu-se que existem cidadãos do Seixo de primeira, de segunda, de terceira e os não cidadãos. Quando aparecer um casal de homossexuais em que um deles é do Seixo e o outro não, e o do fora queira jogar, tentará contornar-se a lei promulgada por Cavaco Silva. Mas não há certezas. É que Cavaco é o ídolo do Seixo. É triste andar a averiguar se fulano tem relações sexuais com cicrana, que é do Seixo.
Talvez ser do Seixo seja alguém que nunca cá tenha posto os pesunhos mas como é amigo ou namorado dalgum ministro da comissão de festas, pode movimentar-se atrás dos balcões a comer, a beber e atender pessoas. Porque é estranho ter visto em comissões anteriores pessoas que não são do Seixo atrás do balcão a mamar. Enquanto o cidadão de segunda paga tudo... De sorriso nos lábios.
É curioso que o ano passado quando o seixomirense sugeriu a convocação duma reunião com um assunto bem definido, um rapaz deu a sua resposta com um monumental ataque de histeria. Os colegas afastaram-se como ratitos... De esgoto. Uma questão de nível de cidadania. Há o nível 1, nível 2 e nível 3.

Se eu podia jogar numa equipa que não tivesse Clés, Cabeleiras, Nhedas, Guineenses e seixomirenses? Podia. Mas não seria tratado da mesma forma!