quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Palheiros de Mira: requiem aeternam dona eis!








A propósito da demolição dos Palheiros de Mira temos várias opiniões:

João Luís Pinho
"Terra com alma..."
(in mirices.blogspot.com - 27OUT2009)...

"Hoje em dia, graças ao trabalho e à “luta”, as circunstancias são outras. E ainda bem. É bom lembrar que tínhamos palheiros na Praia de Mira, como bem relatou Raquel Soeiro de Brito na sua obra “Palheiros de Mira”, mas é ainda melhor ver que poucos têm, hoje em dia, que viver nessas construções, que, apesar de românticas, encerram em si muita pobreza, muita fome e muita miséria".

Raquel Soeiro de Brito (in "Palheiros de Mira" - 1960 - páginas 93 a 104)...

"Entretanto, por intermédio da Câmara Municipal de Mira, promoveu-se à ruína da povoação, proibindo, a partir de 1953, que se fizessem nas casas de madeira os consertos indispensáveis à sua conservação. Em presença das construções deliberadamente arruinadas não é difícil, às autoridades, concluir que elas são impróprias para o fim a que se destinam e carecem de ser prontamente substituídas. Com este grosseiro expediente, pensou-se poder acelerar a execução do plano de urbanização, concebido, por certo, para interesse da população a que se aplica, que, por incompreensão ou desconhecimento das suas necessidades, viu agravar-se, nos últimos anos, o precário estado das suas habitações...".

"Que acontecerá aos 1.326 habitantes de vida humilde? Na grande maioria não têm posses para poderem trocar o casebre de madeira por qualquer dos blocos de cimento que passará a ocupar o mesmo chão. Então, como não os deixam consertar os palheiros, como não podem viver na rua e como não têm dinheiro para as construções exigidas, aceitam, da Câmara de Mira, em troca do pequeno chão e das ruínas das casas, um pedaço de terra, sempre maior, situado a norte do medo grande (medo grande é a duna onde foi construida a Igreja da Praia de Mira). Se os autores do plano de urbanização se tivessem dado ao cuidado de observar a povoação espontânea e nela permanecessem tempo bastante para apanharem um dia de temporal, veriam quanto o abrigo do medo grande foi essencial para a localização do lugar e não teriam cometido o absurdo de colocarem a população de residência permanente no sector mais desabrigado que nesta área se podia encontrar... A pitoresca aglomeração de pescadores que ainda é hoje Palheiros de Mira desaparecerá brevemente. No seu lugar levantar-se-ão banais blocos de cimento de dois ou mais andares e moradias de veraneantes, a maior parte das vezes de péssimo gosto. A elas se sacrificam a população permanente, isto é, o elemento produtivo desta aglomeração, quando seria razoável deixar os pescadores no lugar escolhido pelos seus antepassados e planear um estabelecimento temporário de veraneantes em qualquer outro sítio do imenso areal despovoado. Enxotados os pescadores, da antiga aldeia apenas o comércio permanece no mesmo lugar: No Verão para a comodidade da população flutuante, no Inverno longe da sua freguesia permanente. Claro que se tornava indispensável tomar medidas higiénicas rigorosas e urgentes; que muitos palheiros têm uma área insignificante para o número de pessoas que os ocupam; que era necessário atender a esgotos, etc. Tudo isso se poderia fazer sem sacrificar uma população de gente de trabalho aí enraizada há um século, em benefício de futuros veraneantes endinheirados. Nos anos que mediaram entre a proibição camarária do conserto dos palheiros e a cedência, em troca da área destes, de terreno a norte da duna, para construção, a situação desta gente foi de miséria e promiscuidade: nas casas pequenas e sem condições higiénicas para uma família habitaram, durante três anos e mais, três e quatro famílias, por as respectivas moradias estarem em ruína. Uma família, cuja casa a cair não podia ser consertada, morou dois anos no curral, juntamente com os animais..."

"Além destas desvantagens de ordem prática, destrói-se um elemento de arquitectura tradicional que, pela sua originalidade e singela elegância, merecia ser preservado. Se os palheiros com os madeiramentos todos empenados e a cair são um espectáculo de miséria e desarranjo, que bela não é a arquitectura de madeira, quando cuidada. Em nenhum local as casas atingiam semelhantes dimensões, adquiriram tal altura ou constituíam a generalidade dentro de uma aldeia importante. Palheiros de Mira era, por assim dizer, a jóia deste tipo de construção..."

"Por outro lado, parece que os Serviços de Urbanização deveriam olhar pela conservação da arquitectura popular e não contribuir, pelo contrário, para a sua destruição e substituição por um estilo banal e incaracterístico. De resto, algumas vezes assim tem sido pensado. Bem perto de Palheiros de Mira, na Costa Nova, ao sul de Aveiro, vê-se com gosto como se continuou a tradição local das construções em madeira: as moradias dos veraneantes ou residentes permanentes mais abastados são bem cuidadas, com varandas no andar, geralmente de tábuas verticais pintadas de cor escura, com as ripas que tapam as juntas sempre brancas. Há ruas inteiras com casas deste tipo, que dão ao lugar aspecto alegre, limpo e original".

"Uma povoação tem de ser estudada dentro do seu quadro natural e do estilo de construção em que se filia. Bem podiam os urbanistas ter-se inspirado na observação de um local próximo, antes de imaginarem o plano de urbanização (e de destruição) de Palheiros de Mira, com tanta falta de compreensão das funções e da originalidade desta terra".

"Adoptando a construção de madeira, comum a áreas arenosas e isoladas do litoral, os habitantes de Palheiros de Mira souberam elevá-la à sua melhor expressão. É esta jóia de arquitectura popular que a incompreensão e o desrespeito das tradições estão a ponto de destruir, sacrificando-a à insípida aparência de uma vulgar praia de banhos... Os homens do mar, treinados numa rude escola, são atraídos para a pesca motorizada e distante, enquanto as velhas casas de madeira se arruínam. Em cerca de um século uma povoação, inicialmente ligada à pesca, nasceu, desenvolveu-se, declinou como tal..."

João Milheiro (24NOV2009)...

Será que, com base naquilo que acabo de transcrever, os "Palheiros de Mira" de que fala o João Luís Pinho (..."mas é ainda melhor ver que poucos têm, hoje em dia, que viver nessas construções, que, apesar de românticas, encerram em si muita pobreza, muita fome e muita miséria"), é o mesmo "Palheiros de Mira" que Raquel Soeiro de Brito escreveu nos princípios dos anos 60 do século passado? ("Bem podiam os urbanistas ter-se inspirado na observação de um local próximo - a autora referia-se à Costa Nova - antes de imaginarem o plano de urbanização (e de destruição) de Palheiros de Mira, com tanta falta de compreensão das funções e da originalidade desta terra").

E hoje? Considerando a matéria em apreço, como é que as coisas correm pelos nossos dias?

Hoje, sempre será bem mais fácil, e cómodo digo eu, comparticipar financeiramente para a reedição do livro "Palheiros de Mira" (e não deixa de ser, de facto, um gesto louvável), do que envidar todos os esforços para preservar os poucos espécimes – qual raça à beira da extinção – que ainda hoje existem.

Ao fim e ao cabo, mais não seria senão a obrigação de preservar para memória futura, os poucos exemplares que, ainda hoje, nos lembram memórias do passado.

Agora notem bem: Se no governo autárquico, uma das funções específicas do seu primeiro responsável, o presidente absoluto do concelho, dr. João Reigota, é olhar pelo nosso património histórico, cultural e arqueológico e que sobre esta importantíssima matéria escreve, "A Gândara Antiga" página 19, "Continuamos a pensar que um povo que não cuida da sua memória, não merece a herança cultural legada e dificilmente é capaz de projectar com vigor o seu porvir", a única, lógica e óbvia conclusão a extrair deste amontoado de tristes factos, e que mais não nos transmitem senão um "filme" cujo argumento é uma verdadeira história de horrores e que ainda hoje corre termos no nosso concelho de Mira, sempre será...

Lindas palavras!!! Como as de Frei Tomás...

Escuta (e lê) aquilo que ele diz... não faças aquilo que ele faz.

João Manuel Jesus Milheiro


(seixomirense, 2009)
Quando se estuda a geografia e história de Portugal, pode-se encontrar facilmente alusão aos Palheiros de Mira. Tal como no mapa de Portugal que se encontra numa casa de madeirenses em que traz essa referência. E no futuro? Não dá para anexar a Tocha ao concelho de Mira? E na Costa Nova, como é?

9 comentários:

olécabeçasverdes disse...

Troca-se a Tocha pelas Cabeças Verdes.

Anónimo disse...

isso da cultura interessa pouco. a gente quer é polémica

EU disse...

Como o Sr. Presidente da Camara de Mira diz nas fotos, parece que o Povo de Mira não tem memoria, ou então não é capaz de projectar. Cá para mim é a Camara e os seus dirigentes que não sabem projectar...

Anónimo disse...

A preservação da identidade e do património cultural é, de facto, matéria de manifesto interesse e felicito a autor do blog pela sua participação na matéria,através da indicação do assunto.
Quanto à alusão da obra de Raquel Soeiro de Brito, gostaria referenciar a "sorte" que o município e os mirenses têm com a qualidade do testemunho desta monografia. Palheiros de Mira, memória e declínio de um aglomerado de pescadores...Já nos anos 60...
Outros estudiosos/escritores por cá passaram deixando a mesma mensagem...sobretudo Fernando Galhano, José Leite Vasconcelos, Raúl Brandão...e sempre apaixonados pelas singularidades características desta terra e deste povo.
Ainda hoje aqui encontramos características peculiares, com ou sem a culpa das autoridades locais. Passeemo-nos prazanteiramente pelo que na praia de mira de hoje chamam de Prazos Novos (videira). Mundo próprio, construções próprias, mentalidades de um povo que foge das leis e afirma a sua natureza de "agarra o que pode" conferindo-lhe posse à custa de mascarada necessidade.
Será que é culpa exclusiva das actuais autarquias que os palheiros (privados) não sejam cuidados e recuperados, tal como o são na Costa Nova ou Tocha onde também são propriedade privada?
Porque não aproveitam os privados as verbas e possibilidades de financiamento para recuperação de edifícios tradicionais que se encontram disponíveis para candidatura através do Leader?
Creio que se em má hora e por ideologias de um mau governo houve postura municipal a promover o desaparecimento de palheiros, também tem havido, posteriormente, políticas de valorização pública de arte e forma de construção em madeira (único município com museu construído em madeira e assente em estacaria); lota e apoios de pesca, com arquitectura inspirada nas antigas abegoarias; bungalows de madeira e sobre estacaria; pontes de madeira que servem de modelo para projectos internacionais...
Não creio haver desrespeito, creio sim, haver pouco empenhamento e interesse dos locais em preservar o que lhes foi legado, pois os prédios e "cochichos" possíveis de alugar no verão, não permitem a recuperação dos tradicionais palheiros de madeira.
Todos perdemos, mas todos somos responsáveis...vamos colaborar na recuperação do que ainda é nosso!vamos construir de raíz com os valores e conhecimentos herdados!
Vamos colaborar num correcto ordenamento e construção de uma Praia com memória e com futuro!

Anónimo disse...

ó Milheiro

Ve se atinas
Entao este texto? Qué isto?
È que fico sem perceber qual a opiniao do ilustre Dr.Pinho e qual a intensão de contrapor a sua visão e a da Drª. Brito?

Trata lá disso pá nao pode ser so andares praí a diz q disse, tb é peciso explicar o que escreves

Anónimo disse...

Caro Anónimo Quinta-feira, Dezembro 03, 2009 (que nome esquisito este),

Em resposta ao seu comentário, aqui vai uma conclusão, em jeito de opinião, que eu subscrevo em absoluto:

"Somente um em cada cinco portugueses possui nível médio de literacia".
"Entende-se por literacia a capacidade de cada indivíduo compreender e usar a informação escrita, de modo a atingir os seus objectivos, a desenvolver os seus próprios conhecimentos e competências e a participar activamente na sociedade".

Caro Anónimo Quinta-feira, Dezembro 03, 2009 (que raio de nome este), não fui eu que cheguei a esta conclusão.

A esta "brilhante" conclusão, chegou a Data Angel e a pedido dos coordenadores do Plano Nacional de Leitura (PNL).

Para a próxima, e a pensar no caro Anónimo Quinta-feira, Dezembro 03, 2009 (bolas...), o artigo vai só com bonecos.

Pode ser que resulte melhor. Quem sabe.

Abraço.


João Manuel Jesus Milheiro

Anónimo disse...

ah ok tá bem, agoratá tudo claro: "usar a informação escrita, de modo a atingir os seus objectivos" é o que fazes, ou procuras fazer no é?
O que tu queres sei eu. se calhar nem tu entendes
és um erudito... ou talvez não. Deve ser verborreia
és um azedo, ficaste logo todo cheio de comixão com uma simples questão, mas que podia eu esperar não é milheiro, já te conheço de gingeira
quanto ao dito nome esquisito, não é nome é alcunha, bem, sei que querias saber o meu nome, mas depois não me deslargas, já não é a 1ª vez
ataca a mensagem e deixa o mensageiro pá

Anónimo disse...

isso
ponham esse milheiro no sitio
é só manias e ressabiamento
vai pó molhe massô

Zeferino Ferreira disse...

Dão a ganhar às ricas multinacionais do cimento para criar edificios feios e iguais em todo o lado, em vez de usarem materiais locais que dão a ganhar à população local para criar edificios tipicos que seriam cada vez mais um atrativo para o turismo. As pessoas no fim de semana e nas ferias querem ver algo diferente daquilo que vêem no dia-a-dia.